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IE desde o princípio: origens e modelos de base
- 18 de janeiro de 2025
- Postado por: Alessandra Gonzaga
- Categoria: IE no Trabalho
“Ensinar a mente e não ensinar o coração não é educar”. (Aristóteles)
Desde os gregos, a humanidade tenta entender e interagir com seu universo emocional. Os estoicos entendiam que elas deviam ser vencidas a todo o custo, pois o homem deveria extirpar suas “paixões”. Sêneca já aliviava um pouco a questão e argumentava que o importante mesmo era alcançar um estado de tranquilidade, algo difícil mas possível aos que se retirassem da vida pública para refletir e estudar. De forma semelhante, Aristóteles compreendia que a felicidade advinha de uma vida virtuosa, com boa conduta. Hoje sabemos que para compreendermos os “movimentos do espírito”, como também os gregos se referiam às emoções, é preciso mergulhar fundo na natureza de nosso mundo interior.
Para atender a essa busca, a literatura, a música, o cinema e todas as artes nos colocam em contato com a alegria, o nojo, o medo, a raiva, o interesse, a tristeza e tantos outros estados emocionais, desafiando nossa percepção da realidade e o que pretendemos fazer com ela. Algumas pessoas são mais perceptivas às emoções do que outras e também algumas reagem mais intensamente que outras. Independentemente disso, nossas emoções determinam a qualidade de nossa interação com o mundo, exatamente porque são elas que nos preparam para lidar com os eventos que ocorrem em nossa vida. Nossas emoções nos fornecem referências fundamentais sobre o que importa para nós e, portanto, influenciam diretamente em nossas escolhas e nossos posicionamentos. Assim, a forma como captamos situações emocionais e reagimos a elas define, em grande parte, a direção de nossos relacionamentos e também nossa trajetória pessoal.
Demorou muito tempo para que a palavra inteligência se quer se aproximasse de uma noção menos racional ou subjetiva de ser humano. Por muitos séculos o mundo emocional foi associado a nossos instintos e ao homem-animal, ou ao total descontrole dos sentidos, aquela parte de nós que nos afastava de nossas verdadeiras intenções e aspirações. Foi assim durante todo o primeiro milênio da era cristã e mesmo no período do Iluminismo, no século XVIII, o mundo emocional não tinha qualquer chance de ganhar valor ou serventia.
A ideia de que existe uma inteligência relacionada a esses conteúdos “não racionais” foi aparecer só nos anos de 1930, nos estudos psicométricos de Thorndike. Naquela época, os pesquisadores questionavam-se sobre uma possível “inteligência social”, ligada à capacidade de perceber motivações e comportamentos em si e em outros. Em 1961, o pai da Psicologia Humanista Carl Rogers trouxe um grande avanço para a associação entre o diálogo em torno das emoções e pessoas saudáveis, defendendo que o entendimento e a comunicação dos próprios sentimentos eram processos fundamentais para o desenvolvimento pessoal. Sob a influência desse visionário muito se produziu da Psicologia Positiva, décadas depois, e por ele ainda somos muito influenciados nas escolas de IE contemporâneas.
Anos depois, em 1983, Howard Gardner acrescentava à lista de inteligências múltiplas humanas as faculdades interpessoal e intrapessoal, respectivamente, inteligências relacionadas a compreender os outros e interagir com eles e também compreender e interagir com nós mesmos. Esses autores foram precursores dos estudos de inteligência emocional, tendo contribuído para alavancar a ideia de que existe uma inteligência para lidar com as emoções humanas.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IE
Em 1990, os professores Peter Salovey e John Mayer da Universidade de Yale haviam introduzido o tema à comunidade científica, a partir de um artigo que tratava sobre uma “nova” inteligência humana, a emocional, que como o próprio nome sugeria, consistia em um conjunto de habilidades mentais para lidar com emoções próprias e de outros. Por trazer a hipótese de que a IE é composta de habilidades outras que não apenas as ligadas às emoções, o modelo do renomado psicólogo de Harvard, Daniel Goleman, e outros que o sucederam, ficaram conhecidos como “modelos mistos” de IE.
Mais especificamente, o que os pioneiros no tema Salovey e Mayer propuseram é que existem quatro dimensões da inteligência emocional, com habilidades que interagem e colaboram entre si:
- Perceber emoções em si mesmo e em outras pessoas;
- Usar informações emocionais para facilitar o raciocínio e a ação;
- Entender causas e efeitos das emoções;
- Regular emoções em si mesmo e ajudar outras pessoas a fazê-lo.
O modelo quadrifatorial de IE, como ficou conhecido, propõe uma avaliação do QE (quociente emocional) humano nessas quatro dimensões.
Era esse trabalho dos pesquisadores de Yale que o então jornalista Daniel Goleman trouxe ao conhecimento público. Hoje, já se passaram vinte e cinco anos desde que Goleman lançou o mundialmente conhecido best-seller Inteligência Emocional – a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente, e os estudos sobre a área cresceram em número e complexidade impressionantes. Já na época, o escritor trazia algumas provocações sobre a Inteligência Emocional (IE), conectando-a ao contexto organizacional e ao exercício da liderança pela primeira vez. Em seu trabalho, Goleman disseminou a inteligência emocional em todos os continentes, sendo sua obra uma das mais traduzidas no mundo inteiro.
Mas o que seria necessário para medir o QE de uma pessoa? Para responder a essa pergunta, pesquisadores do mundo inteiro dedicaram-se, na primeira década de estudos de IE, a produzir e validar psicometricamente dezenas de testes para medição do QE. O mais conhecido academicamente deles é o MSCEIT, de autoria dos professores Salovey, Mayer e Caruso (2002) e produzido a partir do modelo quadrifatorial, no entanto, geralmente restrito a pesquisas acadêmicas.
Em relação à avaliação de competências socioemocionais em executivos do mundo inteiro, é amplamente disseminado o assessment ESCI, de autoria de Goleman e Boyatzis (2012), que serve de base para processos de desenvolvimento gerencial e coaching sistêmico em equipes de liderança. O instrumento ESCI é uma avaliação 360° que permite que um indivíduo avalie-se e seja avaliado por pares, clientes, líderes e liderados em relação a 12 competências socioemocionais ligadas ao trabalho nas dimensões de autoconsciência, autocontrole, consciência social e gestão de relacionamentos.
O Modelo de Inteligência Emocional aplicado a Educadores é derivado do modelo proposto por Goleman e Boyatzis, tendo sido adicionada uma quinta dimensão: a tomada de decisão responsável. Uma série de testes está hoje disponível para avaliar as competências socioemocionais na educação, havendo aplicações direcionadas a estudantes de diferentes graus de maturidade emocional, da pré-escola ao ensino médio, a professores e funcionários de escolas e até a membros da família do aluno.
O interesse nesses assessments provém do fato de que muitas competências e qualidades sugeridas pelos pesquisadores do campo podem de fato ser influenciadas por uma maior habilidade em lidar com as emoções. Como apontam centenas de pesquisas na área, nossas habilidades emocionais podem influenciar nosso desempenho em diversas áreas da vida, como interação com colegas de trabalho, liderança de equipes e também nos relacionamentos, para citar algumas possíveis aplicabilidades do QE.
Dessa forma, os estudos de IE tornaram-se, na última década, difundidos em todos os continentes, abrangendo aplicações na área educacional, clínica e institucional. Especificamente nas áreas de psicologia organizacional e de gestão de pessoas, os pesquisadores têm-se concentrado em compreender as vantagens das habilidades emocionais nas interações de trabalho e qual é a melhor forma de desenvolver essas habilidades. Esse tem sido o trabalho da Conexão IE, tanto no campo da educação emocional como do desenvolvimento de competências socioemocionais em organizações.