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Bruxas, mães e líderes
- 14 de janeiro de 2025
- Postado por: Alessandra Gonzaga
- Categoria: Liderança
Chegamos ao final de outubro com uma estranha ambiguidade nas decorações corporativas. Pelos corredores ainda é possível ver alertas cuidadosamente escritos em cartazes, ornados com borboletas e fitas rosadas, lembrando a importância do autocuidado das mulheres e observação de seus corpos, em alusão às campanhas de prevenção ao câncer de mama. Em outros setores o contraste: teias de aranha e chapéus de bruxa, decorados por morcegos e abóboras, por conta do Halloween que encerra o mês, fazendo alusão à figura simbólica e marginalizada da mulher poderosa, influente e, por que não dizer, perigosa. Essas duas imagens – a mãe e a bruxa – remetem a dualidades que as mulheres carregam consigo, especialmente no ambiente corporativo, onde as expectativas sociais e profissionais colidem constantemente, especialmente quando falamos de liderança.
Nesse contexto, a aceleração de carreira de mulheres traz desafios únicos, que se manifestam em expectativas aparentemente contraditórias. De um lado, espera-se que as mulheres mantenham um papel de cuidado, escuta e acolhimento de seus times, o que ressoa com o papel tradicional da mãe. De outro, espera-se que elas adotem comportamentos assertivos, usualmente valorizados nos homens, mas que nelas podem ser vistos como “excessivos” ou “duros”. O rótulo de “mandona” ou “difícil” passa a rondar a cena, sendo bastante temido, uma vez que se associa a esse jeito meio “bruxa” de ser.
Essas expectativas representam estereótipos rasos e excludentes, afetando diretamente a trajetória profissional das mulheres, fazendo com que muitas inclusive desistam da busca por uma posição de liderança. As qualidades frequentemente associadas a bons líderes – assertividade, confiança e capacidade de decisão firme – são louvadas nos homens, enquanto as mulheres que exibem esses comportamentos são julgadas sob uma lente mais severa. Esse ambiente de julgamento influencia a própria dinâmica organizacional, criando um obstáculo adicional para mulheres que, além das competências de liderança, precisam lidar com percepções culturais sobre como uma líder “deveria” agir, uma vez que se espera que elas sejam mais compassivas e apaziguadoras, não tão diretas nas suas proposições e análises.
São muitos os vieses até aqui e em se tratando de desenvolvimento de líderes é importante que se possa trazer alguns esclarecimentos, especialmente nessa dobradinha entre a “empática mãe” e a “assertiva bruxa”. Seleciono aqui dois mitos mais comuns – considerando que a liderança mora em algum lugar entre essas forças arquetípicas.
- “Assertividade requer total firmeza” – não necessariamente. A assertividade requer clareza de intenção e posicionamento. Porém o que temos a dizer só será bem compreendido se percebermos o momento do outro e tivermos atenção à forma como falamos. E para isso precisamos de flexibilidade e empatia;
- “Empatia requer escuta, sem ressalvas” – novamente, não necessariamente. Uma das premissas mais importantes da empatia, especialmente a cognitiva, é de que podemos compreender a perspectiva de outra pessoa sem concordar com ela. A empatia requer leitura situacional e capacidade de se colocar no lugar do outro, isso sim.
Vale lembrar que os vieses de percepção são trazidos pelo contexto organizacional (ambiente de trabalho, cultura da empresa ou do setor industrial, tipo de cargo disputado) mas também pela trajetória pessoal de cada um, pois também nós construímos nossas visões de futuro e possibilidades a partir do que acreditamos ser possível, necessário e importante.
Ou seja, no pacote das competências socioemocionais da liderança precisamos de habilidades ligadas à autogestão, potência de ação e influência e também de habilidades de conexão, engajamento de times e gestão de conflitos. Não é uma ou outra premissa e sim uma e outra. Por isso, ao se falar em líderes mulheres é importante que se possa favorecer a assertividade, sim, desde que de forma empática, considerando as características específicas das pessoas. A comunicação empática e assertiva é, portanto, prerrogativa para qualquer liderança, homem ou mulher.
Empatia, conflitos e influência – Estudos realizados por Ruth Malloy da Korn Ferry indicam que as mulheres são mais bem avaliadas que os homens em diversas competências de inteligência emocional do modelo ESCI, assessment que utilizamos em programas de desenvolvimento da Conexão IE. A análise de dados de 18.000 executivos revelou que as mulheres executivas superaram os homens em competências essenciais para a eficácia numa organização matricial, tais como empatia, gestão de conflitos e influência.
Esses resultados desafiam a visão tradicional de liderança baseada em atributos associados historicamente ao masculino. A pesquisa sugere que as mulheres, ao incorporarem habilidades de escuta e empatia à gestão de conflitos, trazem contribuições fundamentais para promover o engajamento de equipes e criar um ambiente colaborativo, o que contribui indiretamente com engajamento dos funcionários e até mesmo a retenção de talentos.
Essa pesquisa corrobora estudos mais recentes de Goleman da Korn Ferry sobre inteligência emocional e dissemina a ideia de que é preciso promover o aumento da representatividade feminina em cargos de liderança, especialmente em um contexto no qual as competências socioemocionais são cada vez mais valorizadas como diferenciais no mundo corporativo. Os ganhos secundários da aceleração de carreiras femininas chegam para homens e mulheres, uma vez que ambientes com maior diversidade de pensamento e com amplo espaço para a troca entre as pessoas promovem bem-estar e equilíbrio na vida pessoal e profissional, para todos os envolvidos.
Para finalizar, chamo a responsabilidade das lideranças atuais a contribuir para a aceleração das carreiras de mulheres. Os movimentos “she for she” e “he for she” são ambos importantes para permitir que cada vez mais mulheres possam ascender a posições de lideranças. No Brasil, há mais de uma década as mulheres são maioria entre egressos de cursos superiores, o que indica que em breve elas serão maioria na disputa por cargos de maior responsabilidade na tomada de decisão. Ou seja, em muitas culturas organizacionais ainda pode haver barreiras à ascensão feminina, mas elas estão chegando aí: poderosas, desbravadoras, influentes. Perigoso vai ser deixar de lado toda essa potência de ação e resolução.
Puede que no creas en las brujas, pero que las hay, las hay!